TJDF afasta a aplicação da Lei de Representação Comercial a relação entre Corretora de Seguros e Seguradora
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por meio de decisão unânime, afastou a pretensão de Corretora de seguros de reconhecimento de que a sua relação jurídica com a Seguradora teria a natureza de representação comercial, para concluir que a atividade exercida pela Corretora deve ser analisada com base nas normas que regem a atividade de Corretagem de seguros, disciplinada pela Lei nº 4.594/64 e pela Circular SUSEP nº 127/2000. Atuaram no caso Keila Manangão, Gabriella Balthar e Lara Surrage.
No caso analisado, a Corretora de seguros, inconformada com o término do relacionamento comercial com a Seguradora, ajuizou a ação sustentando que a iniciativa de rescisão unilateral da Seguradora, ocorrida sem justa causa, constituiu ato ilícito. Por esse motivo, e baseada na alegação de que teria atuado como representante comercial da seguradora, requereu a condenação desta no pagamento da indenização de aviso prévio prevista no art. 34 da Lei de Representação Comercial (Lei nº 4.886/65), no valor correspondente a 1/3 das comissões auferidas nos últimos três meses de prestação de serviços. A corretora alegou, também, que a rescisão abrupta e imotivada teria acarretado a interrupção das suas receitas, motivo pelo qual requereu a condenação da seguradora no pagamento de indenização por lucros cessantes, com base no art. 35 da mesma Lei, correspondente a 1/12 do valor total das comissões auferidas desde a sua contratação (17/12/2010) até a rescisão. Pediu, ainda, indenização por danos morais, sob o argumento de que a rescisão inesperada e imotivada da relação contratual reduziu a importância e capacidade negocial, já que operava exclusivamente em benefício da ré.
A seguradora contestou o pedido da corretora sustentando, basicamente, que a relação jurídica entre as partes era de corretagem, formalizada por contrato que convenciona claramente as obrigações da autora como co-corretora, sem subordinação hierárquica. Destacou que a intermediação de comercialização de apólices é atividade privativa dos corretores de seguros, pessoas físicas e jurídicas, por força de lei, e que o contrato social da autora a qualifica como corretora de seguros, sendo que seus sócios são corretores de seguros, habilitados e registrados na SUSEP. Com base nesses argumentos, sustentou que não ficou caracterizada a representação comercial. A seguradora também refutou a alegação de que a rescisão teria sido abusiva, já que o contrato previa a possibilidade do seu exercício pelas partes. Por fim, impugnou os pedidos e os valores pretendidos.
A Corretora apelou, mas o TJDF, analisando o mérito da demanda, manteve a improcedência da ação, o que fez com base na premissa de que há a possibilidade de que a intermediação para a contratação de seguros se dê por meio de corretor, agente ou representante, como se extrai do Anexo I da Circular SUSEP nº 624/2021, de modo que não poderia a autora sujeitar-se, identificar-se, registrar-se como corretora de seguros, para, em momento posterior, quando da rescisão da avença, querer impor à seguradora o aviso prévio e a indenização pertinente e devida num contrato de representação, que, na verdade, nunca existiu. Sobre este ponto, a decisão enfatizou que tal pretensão da corretora configura “comportamento contraditório, incompatível com o princípio da boa-fé objetiva”.
A Desembargadora Lucimeire Maria da Silva, relatora do recurso de apelação, destacou que “ao tratar acerca da distinção entre contrato de representação de seguros e contrato de representação comercial, no bojo do REsp n° 1.897.114/PA, o c. Superior Tribunal de Justiça bem analisou a diferença existente entre esses negócios jurídicos, deixando claro que as avenças relativas a seguros possuem regulação normativa própria, especialmente a emanada da SUSEP, de modo que não se submetem às disposições da Lei n° 4.886/65, aplicável à representação comercial.” A relatora também enfatizou a necessidade de se resguardar a liberdade contratual, afirmando que “se a autora anuiu aos termos pactuados, tendo o vínculo contratual entre as partes perdurado por quase 10 (dez) anos, deve-se privilegiar a liberdade contratual e a autonomia da vontade dos contratantes, inclusive, quanto à alocação de riscos, o que abarca eventual acerto ou desacerto de determinada estratégia empresarial”.
Trata-se de precedente importante para o mercado segurador, já que a incidência da Lei de Representação Comercial para regular as relações entre Corretoras de seguros e Seguradoras não somente desnaturaria a relação jurídica entre as partes, como também implicaria o reconhecimento do direito da Corretora ao recebimento de substanciais verbas indenizatórias num cenário de rescisão contratual pela Seguradora, criando para esta última obrigações e prejuízos não previstos quando do início da parceria comercial.
Confira-se aqui a íntegra do acórdão da Apelação nº 0714925-11.2021.8.07.0015.